Laudate Pueri*
Quando eu era criança, gostava de muitas coisas: andar descalça no mato, pescar com balaio no corgo,
descer
de canoa no pasto, andar de carretilha morro abaixo, brincar de casinha
no porão de chão batido da minha casa, comer goiaba no pé, tomar banho
de chuva, mar, rio ou qualquer chamado das águas. Tinha era medo de
nada: vivia com os joelhos ralados e com a promessa constante de uma
coça.
Quando
descia de carretilha na estrada de chão do sítio dos meus avós
maternos, eu era toda eu vencendo as curvas, manobrando pra não cair na
sarjeta, num buraco ou trombar com um carro. Confiança na certeza de que
tudo daria certo era algo tão eminente quanto a fantasia solta de que
os obstáculos que interpunham o ponto de chegada eram dragões que, com a
minha valentia, combatia um a um. E se algo por ventura não desse certo
na empreitada? Bem, havia
mercurocromo e, depois de uma noite de sono profundo, um outro dia.
Passado
o tempo da meninice, percorrendo fiapos de saudade nas cicatrizes de
meus joelhos, questiono-me: onde foi parar o sentido de confiança e
entrega tão contundente nos meus primeiros anos de história?
Começa
um novo ano: 2013 promete justamente pelas projeções que fazemos –
promessas, desejos, felicitações a si, aos colegas, amigos e familiares.
E o que tem a ver falar sobre infância justamente num início de ano? O
mais óbvio seria associar seu “nascimento”
à expectativa que lançamos – tudo novinho, passível de ser realizado.
Ritualizamos ano após ano uma passagem de tempo cujo fluxo não finda nem
principia. Mas nos enche daquela imaginação sumarenta – regalos da
meninice... – de que tudo será diferente pela força da criação de um
recomeço.
No
entanto, falo sobre a infância num sentido mais profundo; refiro-me à
Criança que carregamos dentro de nós e cuja presença pede para ser
olhada, amada e curada. Principalmente curada das promessas feitas pelos
adultos. E não cumpridas. Pelas feridas abertas sem direito a curativo
nem assopro para aplacar a dor, ou uma luz acesa na insegurança da noite
escura quando os monstros estão soltos no vento lá fora ou debaixo da
nossa cama. E
reforçado continuamente ao longo dos anos até que em nós míngua a
confiança e há uma entrega, paulatinamente, pela metade em ações que
constroem muros de alheamento em nós mesmos.
O
resgate de nossa Criança Interior nos permite a força necessária para
trazer à tona o Eu Original, perdido em meio à confusão da vida adulta
que tanto privilegia boas doses de autocontrole. A Criança não tem
freios: confia e se entrega ao que para ela tem sentido.
É nossa Criança que oportuniza poesia, visibilidade
aos nossos olhos caiados, doses generosas de sorrisos soltos e passos serelepes em direção ao Caminho que tem um Coração.
Nessa
hora, muito mais que sonhar é confiar que há um jeito possível; é
compreender que os dragões, como nos Contos de Fada de nossa infância -
embora existam -, podem sim ser combatidos e vencidos; outras vezes, até
domesticados! E, ainda, aprender com eles também. É só confiar e se
entregar.
A
consequência disso? Você já ouviu falar que a mudança parte de dentro
de nós não de fora? Pegar nossa Criança ao
colo, olhá-la nos olhos e escutá-la trará um Ano Novo cuja paz de
espírito será apenas uma de suas consequências mais preciosas.
Chaiene Berndt Orben
Professora de Língua Portuguesa e Literatura
Psicopedagoga Clínica e Institucional
(48) 99572324
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